O diretor-presidente da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), Washington Willeman destacou os desafios e avanços em torno da sustentabilidade no agronegócio e na agricultura familiar em Mato Grosso do Sul.
Com a meta de neutralidade de carbono até 2030, ele abordou iniciativas como o plantio direto, o uso de adubo orgânico e programas estaduais como o Pró-Fertiliza, que incentiva a correção do solo.
Washington enfatizou a importância de práticas agroecológicas para produzir alimentos de forma sustentável, alinhando-se ao tema do Agroecol 2024, “Água e Clima: Direito à Vida”. Ele também ressaltou a necessidade de maior conscientização e políticas públicas para garantir equilíbrio entre produção agrícola e preservação ambiental, afirmando que sem água e clima adequados, não há futuro possível. Confira a entrevista na íntegra:
A Crítica: Quando falamos de agronegócio e ecologia, são temas que não podem ser tratados separadamente, não é mesmo? Agronegócio, meio ambiente e ecologia caminham lado a lado…
Washington: Estamos há bastante tempo envolvidos no Agroecol deste ano, que é tradicional em nosso Estado e teve início em 2002. Atualmente, estamos na sétima edição, reunindo uma grande diversidade de participantes, incluindo universidades, centros de pesquisa e o governo estadual. O tema é extremamente relevante, especialmente considerando as mudanças climáticas que se tornaram evidentes neste ano. Enfrentamos secas extremas em algumas regiões e chuvas acima da média em outras.
A agroecologia surge como uma alternativa essencial, pois precisamos produzir alimentos para atender a uma população global crescente, mas de forma racional, garantindo a preservação da água, do planeta e do clima. Esse enfoque agroecológico busca equilibrar produção e sustentabilidade. Contamos com pesquisadores que desenvolvem métodos que promovem harmonia entre produção, clima e meio ambiente.
Na Agraer, temos um pesquisador e um centro experimental localizado em Campo Grande. Lá, mantemos um campo experimental de agrofloresta que demonstra ser possível produzir alimentos em sintonia com a natureza. O tema central do evento, “Água e Clima: Direito à Vida”, reflete bem essa visão. Sem um clima adequado e recursos hídricos, simplesmente não haverá vida no planeta.
A Crítica: Na preparação para a edição deste ano, acredito que vocês já tenham recebido diversos insights, vídeos e feedbacks de produtores e representantes do setor. Como vocês avaliam a percepção daqueles que estão diretamente envolvidos na produção? Vocês acreditam que eles estão cada vez mais conectados com essas questões?
Washington: Sem dúvida, há uma crescente conscientização sobre a necessidade de mudar as formas de produção. No nosso Estado, temos diversos exemplos, como o plantio direto, que é emblemático. Antigamente, o solo era intensamente arado, removendo sua cobertura. Hoje, isso mudou. O plantio direto mantém a palha na superfície, retendo a umidade, reduzindo o uso de maquinário e, consequentemente, a emissão de combustíveis fósseis que contribuem para o efeito estufa.
Nosso trabalho, especialmente no setor de água e ar, foca no pequeno produtor, embora também possamos colaborar com grandes produtores. Esse é um público prioritário, alinhado à política estadual. O governador assinou um protocolo para que Mato Grosso do Sul alcance a neutralidade de carbono até 2030. Para isso, buscamos alternativas sustentáveis de produção, especialmente na agricultura familiar, em parceria com a Embrapa.
Estamos explorando possibilidades como o cultivo agroflorestal, onde é possível produzir alimentos no meio de florestas. Exemplos incluem o baru, uma árvore típica da nossa região que gera uma castanha altamente nutritiva e de grande valor agregado. O mercado europeu, por exemplo, paga entre R$70 e R$80 por kg dessa castanha, que muitas vezes é subvalorizada por aqui. Essas são as iniciativas que buscamos incentivar e conscientizar os agricultores.
Sou filho de um pequeno agricultor e, com 56 anos, já vivi mudanças significativas no setor. Na minha infância, no município de Itaporã no estado de Mato Grosso do Sul, existia o programa Pró-Várzea, financiado pelo governo federal, que incentivava o escoamento de áreas úmidas para a agricultura. Hoje, estamos trabalhando para reverter esse processo, restaurando essas áreas para que voltem a ser fontes de água, com nascentes fluindo naturalmente.
A Crítica: O senhor mencionou que a meta do governo estadual é tornar nosso Estado carbono neutro até 2030. Na sua visão, quais são os principais desafios e dificuldades para alcançar esse objetivo? O que você destacaria como os maiores obstáculos nesse caminho?
Washington: O primeiro grande desafio é encontrar alternativas de produção que gerem renda de forma sustentável. Por exemplo, plantar uma floresta de seringueiras, que são nativas da Amazônia, pode ser uma opção. No entanto, essas árvores só começam a dar retorno financeiro após seis ou sete anos. Nesse período, como o pequeno produtor, especialmente da agricultura familiar, vai sobreviver, considerando que ele tem um espaço limitado de terra? É fundamental pensar em soluções que garantam renda durante esse intervalo.
Hoje se fala muito em carbono neutro e sequestro de carbono, mas há questões pendentes: quem faz a medição e certificação desse sequestro? Quem paga por isso? Esses são desafios importantes. Embora muitas empresas afirmem oferecer incentivos, ainda não está claro como isso se traduz em geração de renda para os pequenos produtores.
Uma alternativa seria combinar o plantio de seringueiras com outras culturas, como cacau, em áreas mais ao norte do estado, onde o clima é favorável, ou milho, que oferece um retorno mais rápido enquanto a floresta ainda está em formação. O maior desafio é conscientizar os produtores da necessidade de mudar suas práticas, adotando formas de produção que preservem o meio ambiente, gerem água e combatam a erosão, evitando o assoreamento dos rios.
Tudo isso converge com os princípios da agroecologia, que busca equilíbrio entre produção e conservação ambiental. Se não alcançarmos essa harmonia, enfrentaremos problemas ainda mais graves relacionados às mudanças climáticas, que já são uma realidade.
Além disso, é essencial capacitar os agricultores e oferecer alternativas viáveis que garantam sua subsistência e renda. Durante o evento que estamos organizando, teremos cientistas, técnicos e pesquisadores participando de mesas-redondas, seminários e cursos. A ideia é mostrar que é possível adotar práticas sustentáveis e produtivas ao mesmo tempo.
A Crítica: Sobre o ano de 2024, qual é o balanço dos trabalhos prestados pela Agraer neste ano?
Washington: A avaliação é bastante positiva. O governo do estado, sob a liderança do governador Eduardo Riedel, tem implementado programas importantes, como o Pró-Fertiliza. Esse programa oferece suporte no transporte de insumos, como o calcário. Embora o calcário em si não seja tão caro, grande parte do custo está no transporte, que representa 2/3 do valor. Com o Estado subsidiando o transporte, é possível corrigir o solo, tornando-o mais produtivo e permitindo uma maior produção em áreas menores. Isso contribui para a preservação de nascentes e o cumprimento das reservas ambientais previstas em lei.
Além disso, o Estado está ampliando as ações para os próximos anos. Por exemplo, haverá a distribuição gratuita de adubo orgânico para agricultores familiares, incluindo o transporte. Esse adubo orgânico é alinhado com práticas sustentáveis e o sequestro de carbono, eliminando o uso de componentes químicos.
No âmbito do crédito, também houve avanços. O governo federal ampliou os recursos destinados à agricultura familiar em Mato Grosso do Sul. No ciclo agrícola anterior, foram disponibilizados R$ 400 milhões; neste ano agrícola, iniciado em junho, o valor aumentou para R$ 500 milhões. Cerca de 85 a 87% desse montante já foi aplicado, com 70% dos projetos executados pela Agraer, além de algumas empresas privadas que também atuam na área.
Outro destaque é o Centro de Comercialização da Agricultura Familiar, localizado dentro do Ceasa, que oferece um espaço exclusivo para agricultores familiares, especialmente assentados da reforma agrária, comercializarem seus produtos. Este ano, o volume comercializado deve chegar a 4,5 milhões de quilos de alimentos, representando um crescimento anual de 27 a 30%.
Com essas iniciativas, avaliamos as atividades de forma muito positiva, com perspectivas ainda mais promissoras para os próximos anos.
A Crítica: Como a Agraer avalia a gestão do presidente Lula?
Washington: Vejo isso como um divisor de águas. Muitas políticas que haviam sido descontinuadas foram retomadas. O crédito rural foi ampliado. Além disso, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que foca especificamente na agricultura familiar, oferecendo diversas linhas de crédito para a aquisição de maquinário.
O governo federal também está buscando, em parceria com a indústria de implementos agrícolas, desenvolver equipamentos adequados às necessidades dos pequenos produtores. Historicamente, os implementos agrícolas eram projetados para o agronegócio de grande escala, o que não atende às demandas específicas da agricultura familiar. Por exemplo, um trator de 85 cavalos não é funcional para uma horta ou estufas, que hoje são essenciais devido às adversidades climáticas que afetam a produção.
O presidente Lula tem uma longa trajetória de apoio às pequenas propriedades rurais, e isso reflete nas políticas públicas que estão sendo retomadas com força total. Essas ações são fundamentais para oferecer ao pequeno agricultor condições adequadas para produzir e prosperar, além de complementar o trabalho do agronegócio, que também é essencial para o país. Avalio essas iniciativas como extremamente positivas para o setor.
Texto: A Crítica, Carlos Guilherme
Fotos: A Crítica, Lorena Sone