Campo Grande (MS) – O associativismo é um dos caminhos mais viáveis para o fortalecimento da agricultura familiar no País, por reduzir custos, beneficiar a logística e o acesso ao mercado consumidor. E, se no campo a união faz a força no campo, essa relevância é ainda maior em trabalhos coletivos femininos. Como é o caso de duas associações do Mato Grosso do Sul, formadas exclusivamente por mulheres, agricultoras familiares que protagonizam suas atividades em um ambiente que ainda é predominantemente masculino.
Ambas as associações trazem no trabalho um interessante aspecto empreendedor: a valorização dos recursos naturais disponíveis em suas cidades (Anastácio e Mundo Novo). Enquanto, o Grupo de Produção Sustentável, do assentamento São Miguel, região do Pantanal, gera renda a partir de frutos dos cerrados para a produção de alimentos (doces, biscoitos e pães), a Associação Art Fish, mais ao extremo sul do Estado, confecciona artigos femininos e masculinos a partir da pele do peixe (tilápia).
E mesmo afastadas, mais precisamente a 584 km de distância, essas mulheres possuem características que as aproximam enquanto profissionais. Entre esses pontos se destacam: a quebra da rígida divisão de papéis já pré-determinados no ambiente rural, o respeito ao meio ambiente com práticas de sustentabilidade e, por fim, e não menos importante, a presença da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) que presta atendimento técnico na agricultura familiar. O órgão é vinculado ao governo do Estado por meio da Semagro – Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar.
Riquezas do cerrado
A agricultora e coordenadora do Grupo de Produção Sustentável, Maria Lucia Lima, explica que cinco mulheres tiram parte do sustento da família a partir de frutos típicos do cerrado brasileiro (cumbaru, pequi e jatobá). “O cumbaru é o carro-chefe da produção, fazemos pães e entregamos na merenda escolar de 16 escolas, estaduais e municipais, de Anastácio. Também fazemos bombons de pequi, biscoitos, bolos e paçoca de cumbaru e de jatobá para vender em feiras. Também tem a entrega de pães para o quartel, hospitais e creches através do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]”.
E a clientela não para por aí. “A gente também vende castanha de cumbaru tostada e embalada para lojas de Campo Grande, Bonito e Miranda”, afirma a agricultora que vê na construção da cozinha industrial um avanço dos negócios, “São vários pedidos e, hoje, a gente tem uma cozinha, um brinco que é de tão bonita. Um espaço que a gente construiu com a ajuda da Agraer. Em 2011, a gente fez um projeto junto a Agraer e fomos com os técnicos até Brasília em busca de recurso. Em 2015, o dinheiro caiu na conta e a construímos em 2016”.
Mas quem olha o grupo só de mulheres, nem imagina que, no passado, que já houve mão-de-obra masculina. “No começo, éramos em 25 pessoas entre homens e mulheres. Foi um trabalho que começou por uma pesquisa da Agraer sobre o cumbaru. Foram dois anos de projeto e depois que terminou a gente quis dar continuidade. Só que os homens foram os primeiros a debandar, muitos não acreditava que poderia dar certo, faltava paciência”.
Paciência que é primordial na coleta dos frutos que caem nas áreas de pastagem. “A gente sai pelos campos já conhecidos em busca das árvores de cumbaru. As receitas vêm dos frutos e a casca a gente revende para uma empresa em São Paulo que produz adubo para orquídeas”.
E os sete anos de associativismo estão rendendo outros bons frutos. “Graças ao nosso trabalho tem agricultora que comprou moto, outras carro, eu comprei uma saveiro que é usa nas entregas dos pães. Tem mulher que mobiliou toda a casa, tem outra que fez o curso de enfermagem. Só de lembrar eu já me emociono”, diz satisfeita Maria Lúcia.
Igualdade de direitos
E são empreendimentos assim que comprovam que a atuação da mulher no âmbito profissional, em especial, na agricultura familiar, não deve ser visto como “ajuda”, conforme ressalta a diretora-executiva da Agraer, Gisele Farias. “É um equívoco ver o trabalho da mulher como um complemento da renda familiar. O papel dessa mulher deve ser visto como ele é de fato, ou seja, como algo tão relevante como qualquer trabalho que é desempenhado por um homem no sítio. A mulher tem aptidão para as atividades agrícolas e encarar isso ajuda a mapearmos, no campo, o protagonismo feminino”.
Papel que tem recebido o merecido destaque, no município de Mundo Novo, o que vem gerando boas parcerias entre a Associação Art Fish e a Agraer. “A instituição nos convidou para participar do Show Rural, em Cascavel, Paraná. Lá, expomos os produtos e saímos com vários contatos. Já tem um empresário interessado em comprar a pele da tilápia para fazer botinas. Teremos de curtir e tingir na cor marrom”, revela a artesã Selma Schuindt.
Da matéria-prima ao processo de tingimento, todo o trabalho segue uma metodologia ecológica. “O material é uma doação da Coopisc, uma cooperativa de peixe aqui da cidade. Lá, chega a fazer o abate diário de até 5 mil peixes, mas, como nossa produção ainda é pequena a gente faz a coleta mensal de cerca de 30 a 40 quilos de peixe. O resto é vendido para fábrica de ração”.
E para que nem toda a pele de peixe tenha o mesmo destino, as mulheres, que sonham em expandir os negócios, precisam vencer um novo desafio: viabilizar um curso de acabamento de bolsas e carteiras. “O grupo surgiu em 2004, ficou dois anos parados, e nesse meio tempo algumas mulheres saíram. Agora, precisamos de alguém que possa dar o curso porque as máquinas já têm. A ideia é buscar parcerias porque já chegamos até aqui”, finaliza a artesã.
Texto: Aline Lira/ Fotos: Néia Maceno e Aline Lira – Assessoria de Comunicação da Agraer