Governo militar preferiu criar MS com medo de MT crescer demais e buscar independência, segundo ex-governador
Em sua última entrevista, concedida ao jornalista Marcy Monteiro, revelou-se que Mato Grosso do Sul foi criado quase um século depois de iniciado o movimento separatista. Quando já era considerado uma causa perdida, o movimento ganhou força com o recrudescimento do regionalismo sul-mato-grossense. Mas o que favoreceu o desfecho do processo de criação do novo Estado, na opinião do ex-governador Garcia Neto, foi a visão militarista do general Ernesto Geisel sobre a geopolítica brasileira. Pesou na decisão, segundo o ex-governador de Mato Grosso, o medo do presidente Geisel de MT buscar sua independência.
Para a historiadora Maria a Bittar, a conjugação de interesses regionais entrelaçou as condições que possibilitaram a vitória de uma causa considerada perdida. Os interesses da oligarquia agrária sulista, a rivalidade política entre Cuiabá e Campo Grande e a elite da pecuária foram os componentes principais do movimento separatista.
José Garcia Neto, um dos principais personagens desse período da história, morreu em 2009 sem esconder o inconformismo com a divisão de Mato Grosso, ato que classificava como “uma barbaridade”. Em 2007, em uma de suas últimas entrevistas, disse que sempre foi contrário, mas não conseguiu convencer Geisel. Garcia Neto chegou a ser o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, antes de ser nomeado por Geisel depois de ter o nome incluído em lista tríplice elaborada por José Fragelli.
No governo, Garcia Neto chegou a “lotear” o poder com os sulistas, escolhendo o corumbaense Cássio Leite para ser o vice na tentativa de frear o processo divisionista. O esforço foi em vão. O ex-governador reconheceu que o processo de disputa política e econômica ajudou, mas o que pesou foi a visão militarista.
Geisel insistia que Mato Grosso era muito grande e difícil de controlar, disse Garcia Neto, lembrando que logo depois da posse, em 1975, se reuniu com o presidente Geisel para externar a preocupação sobre a possível divisão. “Disse ao presidente sobre o que os jornais e a população comentavam referente à divisão. Disse também que eu era contra e que queria saber a opinião dele. O presidente disse que não havia pensado ainda no assunto, mas, quando fosse pensar, que eu seria o primeiro a saber. Desta forma, não toquei mais no assunto”, contou Garcia em sua última entrevista.
Em abril de 1977 o general chamou Garcia Neto para tratar da divisão. “Ele disse que queria começar a pensar na divisão de Mato Grosso. Pedi para dar minhas razões contrárias e as encaminhei em forma de um documento”.
Garcia Neto apontou as razões, como o custo administrativo, fracionamento da receita, implicações políticas e reação popular, mas não convenceu Geisel.
De 15 a 20 dias após receber o documento, Geisel chamou Garcia Neto e disse que optara pela divisão de Mato Grosso. “Ele disse que leu bem as minhas razões, mas que Mato Grosso com tantas potencialidades, e quando se igualasse a São Paulo, poderia abalar o conjunto da federação brasileira. Era uma visão muito militarista”, disse. O medo de Geisel era de que Mato Grosso crescesse e decidisse brigar pela independência, segundo Garcia Neto. A decisão de dividir o Estado foi tomada em abril de 1977, seis meses antes da assinatura da lei. A divisão efetivamente aconteceu em janeiro de 1979.